Notícias da Mocidade
Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei – Allan Kardec
Edição de dezembro de 2023
Um desafio chamado família
Marcelino Pereira da Cunha
Natal, na minha interpretação
Quando o mês de dezembro se aproxima, surgi também um clima, uma expectativa diferente a apoderar de nossos sentimentos. Tudo é diferente dentro do coração, os pensamentos parecem surgir na neblina da razão como uma concha gigantesca que se abre deixando exalar a vontade de agradar a todos aqueles que conhecemos.
Muitos dizem que não gostam desta época, porque em muitos tudo isso é demagogia, enquanto muitos têm fartura outros nada têm. Mas, vejo de outra forma, talvez o mês de dezembro considerado por muitas nações como o mês do nascimento de Jesus, nosso salvador, basta para criar o clima de solidariedade que envolva todos os pensamentos.
Tudo se ilumina: os semblantes dos homens, o colorido das ruas e casas em um momento de congratulação, o piscar das lâmpadas e os enfeites multicoloridos.
Entristece-me porque a ganância dos especuladores e das propagandas interesseiras apagaram a figura central do acontecimento, pela vil ganância dos poderosos, pela figura nada significativa do homem de vermelho.
Continuam a sacrificar Aquele que veio ate-nos para livrar-nos do mal que esconde nos recônditos de nossa alma como sempre o fizeram.
Natal, data comemorativa do nascimento do Cristo de Deus, mas que passamos para nossos filhos como sendo o dia do papai noel, sim como letras minúsculas porque maiúsculas são a do Cristo nosso salvador.
Que as músicas natalinas possam abrilhantar nossos sentimentos para o trabalho solidário que está à espera de nós.
Muitos afirmam que natal deve ser todos os dias de nossa vida. Se partirmos da premissa que o natal nada mais é do que os renascimentos do homem para sua transformação moral aceitando a força do bem para toda a eternidade, sim estou de pleno acordo. Mas da maneira como temos visto, tenho minhas dúvidas. Porque natal para os homens de hoje (não são todos, mas a maioria) significa festas ruidosas, champagne, luzes, atitudes mundanas, e falta de consenso e leviandade.
Pois devemos sim rever nossas atitudes, ajudar os irmãos, sermos mais unidos, e principalmente procurar a paz...
Mas essas não deveriam ser características do natal e sim nossas. Todos os dias do ano.
Para que caríssimos presentes, se Jesus é quem deveria ganhar, sendo esse o motivo do natal?
Para que tantas luzes se nossa visão esta tapada para aquilo que devemos enxergar, ou seja, o verdadeiro sentido do natal?
Para que piscas se nosso coração anda tão duro e nossas almas tão apagadas?
Para que tanto verde se a única esperança que existe dentro de nos é transparente, ou melhor, quase invisível?
Para que árvores, se o ar que respiramos é o da inveja, do egoísmo e da luxúria?
Para que flores se a mais bonita de todas é a semente do amor que o próprio Jesus plantou em cada um de nossos corações?
Reflitamos um pouco e pergunta-se “onde está o presente para Jesus”?
Que o aniversariante nos abençoe.
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Histórias que a vida conta
Marcelino Pereira da Cunha
Felicidade
Um califa sofria de uma doença mortal, estava deitado sobre almofadas de seda. Os raquins, os médicos de seu país, congregados ao seu redor, concordaram entre si que apenas uma coisa poderia conceder cura e salvação ao califa: colocar sob sua cabeça a camisa de um homem feliz.
Mensageiros em grande número saíram buscando em toda cidade, toda vila e toda cabana, por um homem feliz. Mas cada pessoa por eles interrogada nada expressava senão tristeza e preocupações.
Finalmente após ter abandonado toda a esperança, os mensageiros encontram um pastor que ria e cantava enquanto observava seu rebanho.
Era ele feliz?
"Não posso imaginar alguém mais feliz que eu", disse o pastor rindo-se.
"Então, dê-nos tua camisa" gritaram os mensageiros.
Mas o pastor respondeu: "Eu não tenho nenhuma camisa!".
Essa notícia patética, de que o único homem feliz encontrado pelos mensageiros não possuía uma camisa, deu o que pensar ao califa.
Por três dias e três noites ele não permitiu que nenhuma pessoa se aproximasse dele.
Finalmente no quarto dia, fez com que suas almofadas de seda e suas pedras preciosas fossem distribuídas entre o povo e, conforme conta a lenda, daquele momento em diante o califa outra vez ficou saudável e feliz.
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Pingos de Luz
Sulamita de Almeida
A noite em que o Amor nasceu para viver entre nós
Aproxima-se o dia em que os cristãos comemoram o nascimento de Jesus.
Há dois mil anos, o Cristo veio viver entre nós.
Qual foi o propósito Divino da encarnação do Governador da Terra?
A nova era
... O Cristo foi o iniciador da mais pura, da mais sublime moral, da moral evangélico-cristã, que há de renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los irmãos; que há de fazer brotar de todos os corações a caridade e o amor do próximo e estabelecer entre os humanos uma solidariedade comum; de uma moral, enfim, que há de transformar a Terra, tornando-a morada de Espíritos superiores aos que hoje a habitam... (1)
As lições que do Divino Mestre são atemporais.
Hoje, em pleno século XXI, se quisermos ampliar os nossos passos na senda evolutiva, necessitamos conhecer, refletir, sentir e praticar os ensinamentos de Jesus.
Vejamos as reflexões de Emmanuel sobre o verdadeiro sentido do Natal.
O Natal do Cristo (2)
A Sabedoria da Vida situou o Natal de Jesus à frente do Ano Novo, na memória da Humanidade, como que renovando as oportunidades do amor fraterno, diante dos nossos compromissos com o Tempo.
Projetam-se anualmente, sobre a Terra os mesmos raios excelsos da Estrela de Belém, clareando a estrada dos corações na esteira dos dias incessantes, convocando-nos a alma, em silêncio, à ascensão de todos os recursos para o bem supremo.
A recordação do Mestre desperta novas vibrações no sentimento da Cristandade.
Não mais o estábulo simples, mas o nosso próprio Espírito, em cujo íntimo o Senhor deseja fazer mais luz…
Santas alegrias nos procuram a alma, em todos os campos do idealismo evangélico.
Natural o tom festivo das nossas manifestações de confiança renovada, entretanto, não podemos olvidar o trabalho renovador a que o Natal nos convida, cada ano, não obstante o pessimismo cristalizado de muitos companheiros, que desistiram temporariamente da comunhão fraternal.
É o ensejo de novas relações, acordando raciocínios enregelados com as notas harmoniosas do amor que o Mestre nos legou.
É a oportunidade de curar as nossas próprias fraquezas retificando atitudes menos felizes, ou de esquecer as faltas alheias para conosco, restabelecendo os elos da harmonia quebrada entre nós e os demais, em obediência à lição da desculpa espontânea, quantas vezes se fizerem necessárias.
É o passo definitivo para a descoberta de novas sementeiras de serviço edificante, através da visita aos irmãos mais sofredores do que nós mesmos e da aproximação com aqueles que se mostram inclinados à cooperação no progresso, a fim de praticarmos, mais intensivamente, o princípio do “amemo-nos uns aos outros”.
Conforme a nossa atitude espiritual ante o Natal, assim aparece o Ano Novo à nossa vida.
O aniversário de Jesus precede o natalício do Tempo.
Com o Mestre, recebemos o Dia do Amor e da Concórdia.
Com o tempo, encontramos o Dia da Fraternidade Universal.
O primeiro renova a alegria.
O segundo reforma a responsabilidade.
Comecemos oferecendo a Ele cinco minutos de pensamento e atividade e, a breve espaço, nosso espírito se achará convertido em altar vivo de sua infinita boa vontade para com as criaturas, nas bases da Sabedoria e do Amor.
Não nos esqueçamos.
Se Jesus não nascer e crescer, na manjedoura de nossa alma, em vão os Anos
Novos se abrirão iluminados para nós.
Referência bibliográfica:
1-O Evangelho Segundo o Espiritismo -Allan Kardec – Cap.1 i. 9 ( § 4 )
2- Fonte de paz — Autores diversos- Chico Xavier - Cap. 22
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Reflexões
O anjo silencioso
No cimo da cruz, reconhecia o Senhor que, em verdade, no mundo, não havia lugar para Ele…
Sem asilo para nascer, fora constrangido a valer-se do ninho dos animais e, sem pouso para morrer, içavam-no ao lenho dos malfeitores.
Agora, porém, que se isolara mentalmente na gritaria em torno, espraiava-se-lhe a visão…
Fitava, em espírito, os grandes palácios da Terra, ocupados pelos poderosos que se vestiam de púrpura e ouro, cercados de mulheres escravas e servos infelizes, e notou que dominavam os quatro cantos do Globo, prestigiando os verdugos do sangue humano e os falsos profetas que lhes entorpeciam as consciências…
Mas, entre os altos muros que os apartavam, viu também o Senhor os que viviam desajustados quanto Ele mesmo…
Assinalou os mártires da justiça, encarcerados nas prisões;
as vítimas da calúnia, açoitadas em praça pública;
os heróis da fraternidade, em postes de martírio;
os lidadores do bem, cedidos em pasto às feras;
os amigos da educação popular, sob o cutelo de carrascos inconscientes;
os perseguidos, condenados a ferros em regiões inóspitas;
as mães desamparadas, cujo pranto caía como orvalho de fel sobre a terra seca;
os velhos sem esperança;
os caravaneiros da nudez e da fome;
os doentes sem leito e as crianças sem lar…
Entre os homens igualmente não havia lugar para eles.
Como outrora, à frente de Lázaro morto, Jesus chorou…
Chorou e suplicou a Deus a vinda de alguém que o representasse ao pé dos aflitos… alguém que lenisse chagas sem recompensa, que enxugasse lágrimas sem queixa e servisse sem perguntar…
E o Pai Misericordioso enviou-lhe toda uma coorte de anjos que o louvavam, felizes, transformando o madeiro numa apoteose de luz, com exceção de um deles que, ao invés de adorá-lo, procurou-lhe, respeitoso, os lábios trementes, como quem lhe buscava as derradeiras ordenações.
Não percebeu a multidão desvairada o que se passou entre o Cristo agonizante e o mensageiro sublime; no entanto, de imediato, o nume celeste, sereno e compassivo, desceu do monte para os vales humanos, nos quais, desde então, até hoje, converte o ódio em amor, a expiação em ensinamento, a dor em alegria, o desespero em consolo e o gemido em oração…
Esse anjo silencioso é o Anjo da Caridade.
Por isso, toda vez que lhe ouvis a inspiração divina, abraçando os sofredores ou amparando os necessitados, ainda mesmo através da mais leve migalha de pão ou de entendimento, é a Jesus que o fazeis.
Eurípedes Barsanulfo/F.C. Xavier – livro: Através do tempo
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Relendo o livro “LIBERTAÇÃO”
Regina Célia Lanne
CAPÍTULO XX – Reencontro
A noite ia avançada, mas o nosso Instrutor, vagueando o olhar em torno, parecia consultar a paisagem externa, ensimesmado, pensativo…
Logo após, fitou, enternecido, a filha espiritual que passara a convalescer em brando e defendido repouso. Orou, longamente, junto dela, na câmara íntima e, em seguida, veio anunciar-nos o instante da partida.
Aves tornando ao ninho de esperança e de paz, deveríamos, agora, transportar conosco outros pássaros de asas semimutiladas que a tormenta das paixões ameaçava. Todos os corações, ali socorridos, demandariam, junto de nós, outros campos de ação regenerativa e redentora.
Aquelas entidades sofredoras e amigas, ainda mesmo as que se conservavam nas imediações da loucura pelos desequilíbrios do sentimento a que se haviam confiado, tinham lágrimas de alegria e reconhecimento nos olhos. Em cada uma palpitava o anseio de retificação e de vida nova. Por isto mesmo, talvez, cravavam o olhar inquieto e jubiloso em nosso orientador, como que a lhe devorarem as palavras.
— Todos os companheiros incorporados à nossa missão destes dias, — avisava Gúbio, paternal, — desde que se mantenham perseverantes no propósito de autorrestauração, seguem ao nosso lado, com acesso aos Círculos de trabalho condigno, onde estudantes do bem e da luz lhes acolherão, com simpatia, as aspirações de vida superior. Espero, contudo, que não aguardem milagres na Esfera próxima. O trabalho de reajustamento próprio é artigo de lei irrevogável, em todos os ângulos do Universo. Ninguém suplique protecionismo a que não fez jus, nem flores de mel às sementes amargas que semeou em outro tempo. Somos livros vivos de quanto pensamos e praticamos e os olhos cristalinos da Justiça Divina nos leem, em toda parte. Se há um ministério humano, na Crosta da Terra, determinando sobre as vidas inferiores da gleba planetária, temos, em nossas linhas de ação, o ministério dos anjos, dominando em nossos caminhos evolutivos. Ninguém trai os princípios estabelecidos. Possuímos agora o que ajuntamos no dia de ontem e possuiremos amanhã o que estejamos buscando no dia de hoje. E como emendar é sempre mais difícil que fazer, não podemos contar com o favoritismo, na obra laboriosa do aprimoramento individual, nem provocar solução pacífica e imediata para problemas que gastamos longos anos a entretecer. A prece ajuda, a esperança balsamiza, a fé sustenta, o entusiasmo revigora, o ideal ilumina, mas o esforço próprio na direção do bem é a alma da realização esperada. Em razão disso, ainda aqui, a bênção do minuto, a dádiva da hora e o tesouro das oportunidades de cada dia hão de ser convenientemente aproveitados se pretendemos santificadora ascensão. Felicidade, paz, alegria, não se improvisam. Representam conquistas da alma no serviço incessante de renovar-se para a execução dos Desígnios Divinos. Felizmente, desde agora estamos abrigados no santuário da boa vontade e, ainda neste instante, cabe-nos não esquecer a promessa evangélica: “quem perseverar até ao fim, será salvo”. A Graça Celestial, sem dúvida,
é um sol permanente e sublime. Urge, porém, a criação de qualidades superiores em nós, para fixar-lhe os raios e recebê-los.
Doce intervalo mostrou-nos o júbilo reinante.
Salutar otimismo transbordava de todos os rostos.
Saldanha, de olhos fitos em nosso dirigente, confundia-nos pelo pranto de contrição purificadora, a correr-lhe, abundante, dos olhos.
Antes que o nosso Instrutor pudesse retomar o fio da palavra encorajadora e vigilante, algumas irmãs entoaram formoso hino de louvor à bondade do Cristo, com visível desassombro no olhar firme, dantes ansioso e dorido, enchendo-nos o coração de intraduzível bem-estar.
Raios de safirina luz derramaram-se profusamente sobre nós, enquanto as vozes harmoniosas e singelas se espalhavam, em derredor, tangendo-nos as fibras mais recônditas, nos recessos do ser.
Terminado o cântico melodioso e tocante que nos recordava os pensamentos sublimes de inolvidável Salmo de David, n o Instrutor retomou a palavra e informou que, não obstante as santificadas alegrias daquela hora, a batalha não estava finda.
Faltava-nos o epílogo, esclareceu com inflexão mais grave na voz.
Matilde antecipara-se, de modo a esperar-nos em região intermediária, em cujo clima vibracional lhe seria possível materializar-se, de novo, aos olhos de todos, realizando o sonhado reencontro espiritual com o filho de outras eras que, a breve tempo, nos procuraria na condição de vingador.
Evidenciando manifesta preocupação no olhar muito lúcido, o nosso orientador prosseguiu esclarecendo que Gregório, ciente das novidades havidas no drama de Margarida e informado acerca da renovação de muitos companheiros e colaboradores dele, agora francamente inclinados ao bem, entediados da ignorância e do ódio, da perversidade e da insensatez, se revoltara contra ele Gúbio, dispondo-se a buscá-lo para um ajuste de que se julgava credor. Explicou, emocionado, que num duelo espiritual, como aquele a esboçar-se, esperava de todos nós o auxílio eficiente da prece e das emissões mentais de amor puro. Não deveríamos receber os doestos e insultos de Gregório por ofensas pessoais, nem levar suas atitudes à conta de maldade ou grosseria. Competia-nos observar-lhe nos gestos de incompreensão a dor que se lhe cristalizara no Espírito oprimido e inconformado, vendo-lhe nas palavras, não a maldade deliberada, mas, sim, a eclosão de uma revolta doentia e infeliz que não poderia prejudicar e ferir senão a ele próprio. O pensamento é uma força vigorosa, comandando os mínimos impulsos da alma e, se nos entregássemos à reação espiritual, armada de ódio ou desarmonia, pactuaríamos com a violência, impedindo, não só a manifestação providencial de Matilde, a
benfeitora, mas também a renovação de Gregório, que guardava a inteligência centralizada no mal. Emissões de mágoa ou revide colocar-nos-iam em trabalho contraproducente. As vibrações de amor fraternal, quais as que o Cristo nos legou, são as verdadeiras energias dissolventes da vingança, da perseguição, da indisciplina, da vaidade e do egoísmo que atormentam a experiência humana. Além disso, — tornou o Instrutor bondoso, — cumpria-nos considerar que aquela mente transviada do trilho divino se caracterizava muito mais pela moléstia do orgulho ferido e impenitente, que pela perversidade. Gregório era tão somente um infeliz, quanto nós mesmos em passado próximo ou remoto, acicatado por rebeliões e remorsos interiores a lhe desajustarem os sentimentos. Merecia, por isso mesmo, nossa dedicação carinhosa e confortadora, ainda mesmo que nos visitasse com aparências de celerado ou de louco. Nossa conduta, aliás, nada apresentava de surpreendente, em semelhante capítulo, porque não fora para ensinar-nos outras lições que o Cristo trabalhara em benefício de todos e padecera na cruz, sem ninguém.
Notificou-nos, ainda, que o sacerdote das sombras se faria acompanhar, em sua vinda até nós, de muitos companheiros tão envenenados mentalmente quanto ele, e que, contra essa equipe de criaturas inimigas da luz, cabia-nos formar um todo de defesa harmônica, através da fraternidade legítima, da oração intercessora e do amor espiritual que se compadece e age em favor da restauração do bem.
Valendo-se da pausa que se impusera, natural, Saldanha perguntou ao nosso mentor se não devíamos organizar pelo menos um movimento coordenado de repulsão enérgica, ao que o dirigente, sábio e amigo, respondeu, sorrindo:
— Saldanha, em companhia do Mestre que abraçamos, só há lugar para o trabalho sadio, com entendimento das lições de sacrifício e iluminação que nos deixou. Não acredites que um golpe possa desaparecer com outro golpe. Não se cura a ferida, aprofundando o sulco da carne em sangue. A cicatriz abençoada surge sempre à custa de enfermagem, remédio ou retificação, com ascendentes de amor. Quem pretende o Reinado do Cristo entrega-se a Ele. Somos servos. A defesa, qualquer que seja, pertence ao Senhor.
O ex-perseguidor calou-se, humilde.
Decorridos alguns minutos, algo constrangidos afastamo-nos, em bloco, da vivenda em que tantos ensinamentos preciosos havíamos recebido.
Amparados os mais doentes naqueles que se mostravam mais fortes, retiramo-nos, cautelosos, pondo-nos a caminho da zona preestabelecida.
Duas horas de jornada, sob a supervisão de Gúbio perfeitamente treinado em experiências daquela natureza, conduziram-nos ao local desejado.
O campo, em torno, era singularmente belo.
Verdejante planalto, coroado de luar, convidava-nos à meditação e à prece, e brisas ligeiras e frescas da madrugada como que nos bafejavam o cérebro convidando-nos a reconfortar as fontes do pensamento.
Nosso Instrutor fez-nos sentar em semicírculo, compelindo-nos a recordar várias cenas evangélicas e informou, com visível emoção, que, segundo mensagem particular por ele registada, Gregório e os dele já se haviam colocado em nosso encalço e que, se alguns dos companheiros procurassem evitar-lhe a presença, qualquer fuga, em nosso agrupamento, se fazia impraticável, em virtude de a elevada percentagem de peregrinos, ali reunidos, se revelarem incapazes de volitação em alto plano, pela densidade do padrão mental em que se mantinham. Cabia-nos, pois, agora, a atitude de oração e expectativa amorosa de quem sabia compreender, ajudar e perdoar.
Do zimbório estrelejado desciam valiosos estímulos para nós.
Constelações tremeluziam distantes, enquanto a lua, silenciosa e bela, parecia disposta a testemunhar-nos o esforço cristão.
Reparei que o nosso dirigente, insulado na relva macia, assumia a mesma posição de instrumento mediúnico, qual acontecera na reunião que vínhamos de efetuar, porque me entregou, confiante, a direção da assembleia, o que aceitei, dentro de preocupação extrema, embora sem hesitar.
Providenciada semelhante medida, Gúbio passou a elevada condição mental, por intermédio da oração.
Acompanhamo-lo, reverentes. Não havia gosto para conversações estranhas ao problema delicado daquela hora.
Demorávamo-nos em observação expectante, quando ruído longínquo nos anunciou a alteração dos acontecimentos.
O Instrutor, não obstante palidíssimo, dando-nos a ideia de que já se achava em comunicação com entidades superiores e imperceptíveis ao nosso olhar, mais uma vez nos exortou ao silêncio, à paciência, à serenidade e à prece, recomendando-nos seguir todos os fatos, sem revolta, sem mágoa e sem desânimo.
Não foi preciso esperar muito.
Alguns minutos se desdobraram apressados e Gregório, com algumas dezenas de assalariados, surgiu em campo, investindo-nos com palavrões que se caracterizavam pela dureza e violência. Os recém-chegados apareceram acompanhados de grande cópia de animais, em maioria monstruosos.
Noutras circunstâncias, sem a bênção do aviso salutar, provavelmente teríamos debandado, mas Gúbio, cuja superioridade conhecíamos por experiência própria, ali se mantinha, resoluto e imperturbável, emitindo ondas de luminosidade intensa, veiculando forças magnéticas, imponderáveis, que, dirigidas sobre nós, como que nos supria de recursos necessários ao procedimento irrepreensível.
Por mim, ao reparar as máscaras sinistras que se abeiravam de nós, confesso que, em tempo algum, senti tamanha ameaça de medo e tão profundo contágio de confiança.
O sacerdote das sombras avançou para o nosso orientador, à semelhança de general parlamentando na praça, antes de começar a batalha, e acusou sem rodeios:
— Miserável hipnotizador de servos ingênuos, onde se alinham tuas armas para o duelo desta hora? Não contente em prejudicar-me os projetos mais íntimos, num problema de ordem pessoal, aliciaste numerosos colaboradores meus, em nome de um Mestre que não ofereceu aos que o acompanharam senão sarcasmo, martírio e crucificação! Acreditas, porventura, esteja eu disposto, por minha vez, a aceitar princípios que relaxam a dignidade humana? Admites, acaso, permaneça, a meu turno, fascinado pelos feiticeiros de tua estirpe? Traidor da palavra empenhada, confundir-te-ei os poderes de bruxo desconhecido! Não creio no amor açucarado que elegeste por senha de luta! Creio na força que governa a vida e que te dobrará, igualmente, aos meus pés!
Percebendo que o nosso orientador não se erguia, como que chumbado ao solo, compelido por indefinível prostração, não obstante cercado de intensa luz, o sacerdote dos mistérios negros, acariciando os copos da espada luzente, acentuou, irado:
— Covarde, não te levantas para ouvir-me a acusação justa e digna? Perdeste também o brio, semelhando-te a quantos te antecederam no movimento de humilhação que persiste no mundo, há quase dois mil anos? Também, noutra época, acreditei na celestial proteção através da atividade religiosa, nos ideais em que hoje te empenhas. Entendi, contudo, a tempo, que o Trono Divino paira distante demais para que nos preocupemos em alcançá-lo. Não há um Deus misericordioso e, sim, uma Causa que dirige. Essa causa é inteligência e não, sentimento. Encastelei-me, assim, na força determinativa para não soçobrar. O “querer”, o “mandar” e o “poder” estão em minhas mãos. Se tuas mágicas prevalecem acima dos princípios que consagro e defendo, aceita a luva que te lanço à face! Combatamos!
Gregório espraiou torvo olhar pela assistência muda e exclamou:
— Aqui descansam inermes, ao teu lado, os meus colaboradores que adormeceram, vergonhosamente, ao teu cântico sedutor; entretanto, cada qual deles me pagará, muito caro, a defecção e a desobediência.
Fixou, com mais atenção, os olhos felinos na assembleia, mas, exceto eu, que deveria permanecer atento à tarefa direcional que me fora cometida, ninguém ousou modificar a atitude de profunda concentração nos propósitos de humildade e amor a que fôramos conclamados.
Demonstrando acentuado desapontamento, em face dos insultos sem resposta, o temível diretor de legiões sombrias abeirou-se, mais estreitamente, de nosso Instrutor sereno e bradou:
— Levantar-te-ei, por mim mesmo, usando os sopapos que mereces.
Antes, porém, que conseguisse ligar o intento à ação, delicado aparelho luminoso surgiu no alto, à maneira de garganta improvisada em fluidos radiantes, como as que se formam nas sessões de voz direta, entre os encarnados, e a voz cristalina e terna de Matilde ressoou, acima de nossas cabeças, exortando-o, com amorosa firmeza:
— Gregório, não enregeles o coração quando o Senhor te chama, por mil modos, ao trabalho renovador! O teu longo período de dureza e secura está terminado. Não intentes contra os abençoados aguilhões de nosso Eterno Pai! O espinho fere, enquanto o fogo o não consome; e a pedra mostra resistência, enquanto o fio d’água a não desgasta! Para a tua alma, filho meu, findou a noite em que a tua razão se eclipsou no mal. A ignorância pode muito; no entanto, é simples nada quando a sabedoria espalha os seus avisos. Não admitas que os monstros da negra magia te alimentem o coração com a felicidade desejável!
O temido perseguidor mantinha-se confundido, semi-aterrado, ao passo que nós mesmos, os circunstantes ligados à missão de Gúbio, não conseguíamos dissimular a imensa surpresa que nos dominava, ante o quadro imponente e inesperado.
Compreendi que a benfeitora se valia dos fluidos vitais de nosso orientador para exprimir-se, naquele Plano, qual o fizera, horas antes, na residência de Margarida.
O sacerdote transviado, num complexo de espanto, rebelião e amargura, tinha agora o aspecto de uma fera enjaulada.
— Acreditas, porventura, — prosseguiu a voz materna, adulçorada, — que o amor pode alterar-se no curso do tempo? Supuseste, um dia, que eu te pudesse esquecer? Olvidaste a imantação de nossos destinos? Peregrine minhalma através de mil mundos, suspirarei sempre pela
integração de nossos Espíritos. A luz sublime do amor que nos arde nos sentimentos mais profundos pode resplandecer nos precipícios infernais, atraindo para o Senhor aqueles que amamos. Gregório, ressurge!
E, numa inflexão de lágrimas que desarmaria o raciocínio mais enrijecido, acentuou:
Lembra-te! Deixaste morrer nos séculos os projetos de amor que traçamos na Toscana e na Lombardia distantes? Esqueceste nossos votos ao pé dos altares humildes? Olvidaste as cruzes de pedra que nos ouviam as orações? Não prometemos ambos trabalhar em comum pela purificação dos santuários de Deus na Terra? Sempre grande e belo no combate à política venal dos homens, cristalizaste na mente os desvarios do orgulho e da vaidade, adquiridos ao contato de uma coroa putrescível. Afogaste ideais preciosos na corrente de ouro mundano e perdeste a visão dos horizontes divinos, mergulhando-te na sombra dos cálculos pela extensão do império de teus caprichos. Incensaste a grandeza dos poderosos do mundo em desfavor dos humildes; incentivaste a tirania espiritual, crendo-te possuidor de autoridade infalível, e supunhas que o Céu, além da morte, nada mais fosse que simples cópia dos Tribunais e das Cortes da Terra. Tremendos desenganos surpreenderam-te o despertar, e, embora humilhado e padecente, coagulaste os pensamentos no ácido venenoso da revolta e elegeste a escravização das inteligências inferiores por única posição digna de conquistar. Durante séculos, tens sido apenas rude disciplinador de almas criminosas e perturbadas que o túmulo encontrou na imprudência e no vício. Não te doerá, porém, filho meu, a triste condição de gênio desprezível? Semelhante pergunta não morre sem resposta. Falam por ti o imenso tédio do mal e a profunda solidão interior que presentemente te invadem as horas. Aprendeste com infinito desapontamento que os tesouros divinos não repousam em frias arcas de valores amoedados, e sabes, agora, que Jesus dispõe de escasso tempo para frequentar basílicas suntuosas, não obstante respeitáveis, porque da escura senda humana emergem soluços de peregrinos sem luz e sem lar, sem arrimo e sem pão…
Via-se que a benfeitora, quase asfixiada pela emoção, apresentava enorme dificuldade para continuar, mas, após longa pausa, que ninguém ousou interromper, prosseguiu, comovida:
— Como pudeste esquecer, por alguns dias de autoridade efêmera na Terra, as nossas redentoras visões do Cristo angustiado na cruz? Aderiste aos Dragões do Mal pela simples verificação de que a tiara passageira não te poderia aureolar a cabeça nos domínios da vida eterna a que a morte nos arrebatou; entretanto, o Divino Amigo jamais descreu das nossas promessas de serviço e espera por nós com a mesma abnegação do princípio. Vamos! Sou Matilde, alma de tua alma, que, um dia, te adotou por filho querido e a quem amaste como dedicada mãe espiritual.
Calou-se a voz da mensageira, interditada pela corrente de pranto.
Foi então que Gregório, fazendo quanto lhe era possível por manter-se de pé, gritou, como ansioso por fugir a si mesmo.
— Não creio! Não creio! Estou só! Consagrei-me ao serviço das sombras e não tenho outros compromissos.
Trasbordava-lhe da voz menos altiva um tom de pavor indescritível. Parecia disposto à fuga, francamente transformado. Mas, ante a assembleia extática e silenciosa, mantinha-se magnetizado pela palavra da benfeitora que se fazia ouvir, austera e doce, bela e terrível, escalpelando-lhe a consciência. Espraiou o olhar de leão ferido através de todos os ângulos do campo que nos situava, e, sentindo-se no centro de quantos assistiam, ali, atônitos, à cena inesperada, exteriorizou na expressão fisionômica todo o desespero extremo que lhe vagava nalma, arrancou a espada da bainha e bradou encolerizado:
— Vim para combater, não para argumentar. Não temo sortilégios. Sou um chefe e não posso perder os minutos com palavras tergiversantes. Não admito a presença de minha mãe espiritual de outras eras. Conheço as artimanhas dos fascinadores e não tenho outra alternativa senão duelar.
Fitando a delicada forma de luz que pairava no espaço, acrescentou:
— Por quem és! Anjo ou demônio, aparece e combate! Aceitas meu desafio?
— Sim… — respondeu Matilde, com ternura e humildade.
— Tua espada?! — Trovejou Gregório, arquejante.
— Vê-la-ás dentro em breve…
Após alguns momentos de ansiosa expectativa, apagou-se a garganta luminosa que brilhava sobre nós, mas leve massa radiante e disforme surgiu, não longe, à nossa vista.
Compreendi que a valorosa emissária se materializaria, ali mesmo, utilizando os fluidos vitais que o nosso orientador lhe forneceria.
Júbilo e assombro dominavam a assembleia.
Em poucos instantes, erguia-se Matilde, ao nosso olhar, de rosto velado por véu de gaze tenuíssima. A túnica alva e luminescente, aliada ao porte esguio e nobre, sob a auréola de safirina luz de que se tocava, traziam à lembrança alguma encantada madona da Idade Média, em repentina aparição.
Adiantava-se, digna e calma, na direção do sombrio perseguidor; todavia, Gregório, perturbado e impaciente, atacou-a de longe e empunhou a lâmina em riste, exclamando, resoluto:
— Às armas! Às armas!…
Matilde estacou, serena e humilde, embora imponente e bela, com a majestade de uma rainha coroada de sol.
Decorridos alguns instantes ligeiros, movimentou-se novamente e, alçando a destra radiosa até ao coração, caminhou para ele, afirmando, em voz doce e terna:
— Eu não tenho outra espada, senão a do amor com que sempre te amei!
E de súbito desvelou o semblante vestalino, revelando-lhe a individualidade num dilúvio de intensa luz. Contemplando-lhe, então, a beleza suave e sublime, banhada de lágrimas, e sentindo-lhe as irradiações enternecedoras dos braços que, agora, se lhe abriam, envolventes e acolhedores, Gregório deixou cair a lâmina acerada e de joelhos se prosternou, bradando:
— Mãe! Minha mãe! Minha mãe!…
Matilde enlaçou-o e exclamou:
— Meu filho! Meu filho! Deus te abençoe! Quero-te mais que nunca!
Verificara-se, ali, naquele abraço, espantoso choque entre a luz e a treva, e a treva não resistiu…
Gregório, como que abalado nos refolhos do ser, regressara à fragilidade infantil, em pleno desmaio da força que o sustinha. Finalmente, iniciara sua libertação.
A benfeitora, enlevada, recolhera-o, enlanguescido, nos braços, enquanto numerosos membros da sombria falange fugiam espavoridos.
Matilde, vitoriosa, agradeceu em palavras que nos faziam vibrar as fibras mais recônditas da alma, e, em seguida, confiou aos nossos cuidados o filho vencido, asseverando-nos que o abnegado Gúbio se encarregaria de guardar, por algum tempo, aquele que ela considerava o seu divino tesouro.
Após abraçar-nos, generosa, desmaterializou-se ao nosso coro de hosanas, a fim de seguir, de mais longe, a preparação do futuro glorioso.
Refez-se o nosso orientador, reintegrando-se em nosso grupo de serviço.
Edificado, feliz, Gúbio sustentou Gregório, inerte, nos braços à maneira do cristão fiel que se orgulha de suportar o companheiro menos feliz. Orou, cercado de claridade santificante,
arrancando-nos lágrimas irreprimíveis de alegria e reconhecimento e, depois, ante a paz que se estabelecera, triunfante e ditosa, deu por finda a nossa tarefa, dispondo-se a guiar a heterogênea, mas expressiva coletividade de novos estudantes do bem, recolhidos nos trabalhos de salvação de Margarida, até a importante e abençoada colônia de trabalho regenerador.
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Surgira, para mim, a despedida.
Tinha meus olhos úmidos de pranto.
O Instrutor abraçou-me e, retendo-me junto do coração, falou, bondoso:
— Jesus te recompense, filho meu, pelo papel que desempenhaste nesta jornada de libertação. Nunca te esqueças de que o amor vence todo ódio e de que o bem aniquila todo mal.
Quis responder, esclarecendo que somente a mim, discípulo inábil, cabia o dever de gratidão; todavia, incoercível emotividade prendeu-me a voz.
O orientador, no entanto, leu-me no olhar os sentimentos mais profundos e sorriu, em retirada.
Elói, também, rumou para longe, em busca de outros setores.
E voltando, sozinho, ao meu domicílio espiritual, roguei, chorando:
— Mestre de Bondade Infinita, não me abandones! Ampara-me a insuficiência de servo imperfeito e infiel!
Em torno, reinava insondável e sublime silêncio. Mas, enquanto o horizonte se tingia de rubro, preludiando a festa da aurora, a estrela matutina brilhava, tremeluzindo aos meus olhos, qual celeste resposta de luz.
André Luiz/F.C. Xavier
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Dica de leitura
A grande espera
Um romance inesquecível do venerável Eurípedes Barsanulfo, psicografado pela médium Corina Novelino, que nos descortina intrigantes momentos da passagem de nosso Mestre Jesus, revelando detalhes e contexto dos essênios naquela história e importante época. Num estilo singelo e claro, esta obra vem nos confirmar a esperança e a fé que guiavam os passos daqueles humildes criaturas na grande espera do Excelso Salvador.